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Sputinik V: Anvisa permitiria apenas 28 mil das 2 milhões de doses que MS pretende comprar

Aval para uso de vacina russa contra a Covid-19 envolve fase inicial de observação



Compra da Sputnik V deverá atender fase inicial de estudos com 1% da população dos Estados interessados - Laboratório Gamaleya/Reprodução




Após a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizar, com restrições, a importação de doses da vacina Sputnik V –que tem eficiência de 91,6% contra o novo coronavírus–, o governo de Mato Grosso do Sul vai aguardar análise do Consórcio Brasil Central, formado por governadores do Centro-Oeste e Norte do país, sobre a decisão para definir a compra e distribuição do imunizante.

Mato Grosso do Sul integra o consórcio e havia manifestado interesse em adquirir 2 milhões de doses da Sputnik V, de responsabilidade do laboratório russo Gamaleya, suficientes para imunizar 1 milhão de pessoas com as 2 aplicações necessárias. Contudo, com as regras autorizadas pela Anvisa, poderá adquirir em um primeiro momento em torno de 28 mil doses, o equivalente a 1% da sua população.

O aval dado na sexta-feira não envolve o uso emergencial da Sputnik V, que garantiria a importação contínua e seu uso massivo na imunização da população –isso dependeria de um novo pedido de uso à Anvisa, que pretende primeiro observar os efeitos da vacina em território nacional.

O pedido apreciado neste momento envolve solicitação do Consórcio do Nordeste, fornado por Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Sergipe e envolveria um quantitativo inferior a 1 milhão de doses.

Consórcio Brasil Central se reunirá para avaliar exigências da Anvisa

Em nota, o governo informou que o secretário-executivo do Consórcio Brasil Central, o vice-governador do Distrito Federal, Paco Britto (Avante), disse que o colegiado irá se pronunciar sobre a negociação para a compra da vacina, realizada com o Fundo Soberano Russo, após “análise criteriosa” da decisão da Anvisa, que autorizou na noite de sexta-feira (4) a importação, em caráter excepcional, de doses da Sputnik V e da Covaxin em quantidades específicas.

O OK da Anvisa ocorreu diante do cenário de agravamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, contudo, considerou lacunas de informações ainda existentes sobre as vacinas, apesar da apresentação de novos documentos pelos fornecedores. Na prática, só uma pequena parte da quantidade de doses pleiteada –aproximadamente 37 milhões no total, envolvendo acordos fechados pelo Consórcio Nordeste– poderá ser importada para ser usada dentro de estudo de efetividade.

No caso da Sputnik V, as exigências incluem a compra apenas de fábricas inspecionadas pela Anvisa na Rússia –a Generium e a Pharmstandard UfaVita. O laboratório paranaense União Química já produz a vacina russa e a exporta para países da América do Sul, tendo sido, inclusive, visitado pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB). A autorização não cita o fabricante brasileiro para produção de doses a serem usadas no país.

O pedido de uso das vacinas da União Química tramita na Anvisa, mas está suspenso. A agência espera informações complementares do fabricante brasileiro.

Estudo com a Sputnik V se restringe a pessoas entre 18 e 60 anos

Apenas pessoas entre 18 e 60 anos poderão ser vacinadas com a Sputnik V. Gestantes, puérperas, lactantes e indivíduos com comorbidades não poderão ser imunizados com o medicamento russo.

Também há obrigação de análise lote a lote para comprovar ausência de vírus replicantes e outras características de qualidade. Uma primeira análise da Anvisa sobre a Sputnik V apontou que o adenovírus usado para fabricar a vacina, no qual foram inseridos “pedaços” do coronavírus para gerar resposta imunológica, estaria se reproduzindo em organismos vivos.

Agora, os estudos teriam apontado uma quantidade bem menor de adenovírus replicantes, dentro de parâmetros aceitáveis para vacinação.

Em caso de identificação de eventos adversos, os mesmos devem ser comunicados em 24 horas para a Divisão de Fiscalização e Monitoramento da agência.

Relator do caso na Anvisa, o diretor Alex Campos afirma que a importação da Sputnik V foi autorizada pela Lei 14.124/2021 e, por isso, aspectos de qualidade, segurança e eficácia da vacina foram atestados por meio do registro concedido pela autoridade sanitária da Rússia. Isto é, não foram considerados os aspectos regulatórios ordinários aplicados pela Anvisa para assegurar a comprovação de qualidade, segurança e eficácia de vacinas tanto na concessão de registro como na autorização de uso emergencial no Brasil.

As restrições impostas pela Anvisa levaram à autorização para importação excepcional e temporária de doses para vacinação de 1% da população de cada um dos Estados solicitantes. Com cerca de 2,8 milhões de habitantes, conforme a última projeção do IBGE, Mato Grosso do Sul teria autorização para adquirir apenas 28 mil doses da Sputnik V.

Somente após o uso dessas doses, a Anvisa analisará os dados de monitoramento de uso para avaliar os próximos quantitativos. O uso da vacina poderá ser suspenso caso o pedido de uso emergencial em análise na Anvisa e na OMS (Organização Mundial de Saúde) seja negado ou se as informações do monitoramento apresentarem apontarem problemas.

Ao mesmo tempo, todos os Estados que desejam comprar a Sputnik V deverão observar todos os aspectos técnicos das condições aprovadas pela agência, sob pena de responderem por infração sanitária e responsabilização civil, administrativa e penal. A Anvisa continuará a avaliar as incertezas sobre qualidade, segurança e eficácia da vacina.

Confira abaixo todas as condicionantes da Anvisa para importar a Sputnik V:

  • I – Todos os lotes a serem destinados ao Brasil devem ser provenientes das plantas produtivas inspecionadas pela Anvisa: Generium e Pharmstandard UfaVita;
  • II – Todos os lotes a serem destinados ao Brasil devem vir acompanhados dos certificados de análise da etapa de concentrado da vacina e do produto acabado, demonstrando a ausência de RCA (adenovírus replicante);
  • III – Todos os lotes a serem destinados ao Brasil devem vir acompanhados dos laudos de esterilidade microbiológica;
  • IV – A vacina deverá ser utilizada apenas na imunização de indivíduos adultos ≥ 18 anos e < 60 anos;
  • V – A vacina não deverá ser utilizada em gestantes, puérperas, lactantes e indivíduos com comorbidades.
  • VI – Os lotes das vacinas importadas somente poderão ser destinados ao uso após análise laboratorial e liberação pelo INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde) da Fundação Oswaldo Cruz.
  • VII – O requerente (Estado comprador) deverá registrar a execução de todas as obrigações previstas na RDC 476/2021 e reforçadas neste Voto. Tais registros deverão ser apresentados à Anvisa sempre que solicitados.
  • VIII – O requerente deverá considerar no plano de imunização as ações necessárias para evitar os erros programáticos de trocas entre os dois componentes da vacina, devendo haver monitorização e ações contínuas para minimizar o risco e os danos.
  • IX – O requerente deverá adotar ações de mitigação de risco considerando as diferenças de informações e formatos entre as embalagens, rótulos e bulas originais em comparação com as diretrizes regulatórias nacionais.
  • X – O requerente deverá disponibilizar às unidades de saúde as informações de rótulos e bulas, que sejam importantes para o uso correto do produto, no idioma português. Destaca-se que todas as indicações, contraindicações e restrições de uso constantes neste Voto deverão estar refletidas no documento a ser disponibilizado.
  • XI – Todos os lotes da vacina a ser fornecida devem atender às condições aprovadas pela autoridade sanitária internacional.
  • XII – O requerente deverá distribuir e utilizar a vacina em condições controladas com condução de estudo de efetividade, com delineamento acordado com a Anvisa e executado conforme as Boas Práticas Clínicas, de acordo com o sugerido pelo Consórcio Nordeste.
  • XIII – Os eventos adversos graves devem ser comunicados à Anvisa em até 24 horas, por meio do sistema VigiMed ou e-SUS Notifica. Os demais eventos adversos e as queixas técnicas devem ser notificados em até 5 (cinco) dias de seu conhecimento. As queixas técnicas devem ser notificadas pelo sistema Notivisa.
  • XIV – O requerente deverá encaminhar à Anvisa, mensalmente, relatório de avaliação benefício-risco da vacina, contendo resultados de segurança e efetividade de cada lote importado, detalhado, segundo as boas práticas de farmacovigilância.
  • XV – O requerente deverá acompanhar diariamente alertas internacionais de segurança da vacina Sputnik V emitidos pelos países que estão utilizando a vacina e comunicar imediatamente à Anvisa em caso de alertas de segurança emitidos por outras autorizadas sanitárias internacionais.
  • XVI – O requerente deverá compartilhar o mapa de distribuição dos lotes e respectivos resultados de controle de qualidade com as áreas da Anvisa ligadas ao pós- mercado, a fim de agilizar as medidas de suspensão do uso frente a eventuais riscos identificados.
  • XVII – A vacina deverá ser distribuída apenas a centros de vacinação vinculados aos CRIEs (Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais).
  • XVIII – As seguintes contraindicações deverão ser consideradas na imunização: hipersensibilidade a qualquer dos componentes da fórmula, gravidez, uso por lactantes, menores de 18 anos, mulheres em idade fértil que desejam engravidar nos próximos meses, ter recebido outra vacina contra Covid-19, febre, HIV, hepatite B ou C, antecedentes de qualquer vacinação nas quatro semanas anteriores à potencial data de vacinação, ter recebido imunoglobulinas ou hemoderivados há três meses antes da potencial vacinação, tratamentos com imunossupressores, citotóxicos, quimioterapia ou radiação há 36 meses antes da potencial vacinação, terapias com biológicos incluindo anticorpos anticitocinas e outros anticorpos, enfermidades graves ou não controladas (cardiovascular, respiratória, gastrointestinal, neurológica, insuficiência hepática, insuficiência renal, patologias endócrinas) e antecedentes de anafilaxia (segunda dose da vacina).
  • XIX – O requerente deverá demandar aos fabricantes Generium e UfaVita a avaliação do processo fabril e a proposição de alguma medida adicional de mitigação do risco decorrente da ausência da validação da etapa de filtração esterilizante. Esses documentos deverão ser apresentados à Anvisa previamente ao Licenciamento de Importação (LI) e deverão ser analisados e concluídos como adequados pela área técnica previamente ao deferimento do LI.
  • XX – O requerente deverá apresentar o relatório final de validação do processo de fabricação do insumo farmacêutico ativo biológico ou declaração da autoridade russa de que verificou e aprovou tal documento.
  • XXI – O requerente deverá apresentar, para adequação das Práticas Assépticas e Teste de Esterilidade da UfaVita, os registros dos treinamentos dos operadores, bem como vídeos demonstrando a execução das atividades críticas nas áreas limpas, indicando que os procedimentos de trabalho foram efetivamente corrigidos e não representam risco de contaminação ao produto. Tais documentos podem ser apresentados diretamente à Anvisa para análise e aprovação previamente ao deferimento do LI ou por meio de declaração da autoridade russa de que os verificou e aprovou.
  • XXII – O requerente deverá apresentar os relatórios de validação de métodos analíticos para os testes de RCA, PCR para identidade dos adenovírus e Elisa para imunogenicidade em camundongos. Tais relatórios podem ser apresentados conjuntamente com a documentação a ser enviada ao INCQS. Os condicionantes e responsabilidades deverão constar em Termo de Compromisso a ser celebrado entre a Anvisa e o requerente.

Além do cumprimento dessas condicionantes, os governadores terão as seguintes obrigações, previstas na RDC 476/2021:

  • I – responsabilizar-se pela qualidade, eficácia e segurança da vacina a ser importada;
  • II – assegurar e monitorar as condições da cadeia de transporte;
  • III – assegurar que a vacina importada esteja com o prazo de validade vigente;
  • IV – estabelecer mecanismos para garantir condições gerais e manutenção da qualidade da vacina importada e o seu adequado armazenamento;
  • V – assegurar o monitoramento contínuo da temperatura de conservação e transporte, durante o trânsito internacional, desde o momento do embarque até a chegada ao local de armazenamento do importador e notificar à Anvisa, imediatamente, caso tenha ocorrido excursão de temperatura que possa comprometer a qualidade do produto;
  • VI – responsabilizar-se pela avaliação das excursões de temperatura que venham a ocorrer durante o transporte dos produtos importados;
  • VII – prestar orientações aos serviços de saúde sobre uso e cuidados de conservação dos produtos importados, assim como aos pacientes sobre como notificar as queixas técnicas e eventos adversos a eles relacionados;
  • VIII – criar mecanismos para a realização do monitoramento pós-distribuição e pós-uso da vacina importada e para que os casos de queixas técnicas e eventos adversos identificados sejam informados à Anvisa, por meio dos sistemas de informação adotados;
  • IX – responsabilizar-se pelo recolhimento do produto importado quando determinado pela Anvisa ou quando houver indícios suficientes ou comprovação de desvio de qualidade, que possa representar risco à saúde;
  • X – informar aos pacientes que a vacina para Covid-19 não possui registro e nem autorização temporária para uso emergencial, em caráter experimental, concedido pela Anvisa e que o referido produto apenas possui aprovação em agência regulatória sanitária estrangeira; e
  • XI – apresentar a documentação requerida ao Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), nos termos da Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 73, de 21 de outubro de 2008.

Já a compra de doses da Covaxin, que seguirão regras semelhantes, foi solicitada pelo Ministério da Saúde. A vacina é fabricada na Índia e a importação foi limitada a 4 milhões de doses.